Abuso Sexual e Justiça.

08:36 Angela Fakir 0 Comments

Desenho contido no livro “A violência silenciosa do incesto “ de  Graça Pizá

“O desenho retrata uma figura metade menina, metade mulher. A autora mirim, como milhares de crianças brasileiras, foi vítima de abuso incestuoso. Expressa por meio da imagem ambígua, o conflito entre a sexualidade infantil e a adulta, que lhe foi imposta precocemente e que ela pouco compreende.” (*1)

ABUSO SEXUAL E JUSTIÇA
Segundo Michaelis (1998, p. 609), crime é a “violação dolosa ou culposa da lei
penal..., violação das regras que a sociedade considera indispensáveis à sua
existência”. Dentre os crimes mais freqüentes na atualidade, encontram-se os crimes sexuais.
Estes crimes vêm sendo estudados pela doutrina jurídica ao longo dos tempos.
Como resultado desse estudo, foram surgindo novas formas de punição para eles. Novas penalidades vêm sendo aplicadas em diferentes épocas e em diferentes países.
No Brasil, tais crimes são considerados hediondos. Esta atribuição de penas em nosso país é recente, pois de acordo com o Código Penal do Brasil de 1940, o atentado violento ao pudor, por razões ideológicas, era considerado um delito de menor gravidade que o estupro. Esta situação foi corrigida com a Lei dos Crimes Hediondos.
É imprescindível, agora, definirmos alguns dos termos aqui abordados. Define-se como comportamento agressivo aquele que tem por fim impor prejuízos físicos e/ou psicológicos a outrem. Violência é definida por Ferreira (s/d) como “...constrangimento físico ou moral; força; coação.” Violência sexual, segundo Hazeu (1998, p. 31) é uma “... violência física contra a liberdade sexual.”. Ela é todo investimento sexual feito contra a vontade ou consciência do sujeito paciente, a vítima. É um ato de coação sexual que não se restringe ao coito
vaginal, mas também envolve o coito anal, sexo oral e práticas masturbatórias. Hazeu (1998) divide a violência sexual em três níveis de gravidade: sensorial, por estímulo e por realização de atos sexuais.
No primeiro caso, ocorrem representações de ações sexuais que ofendem a
vítima. A violência por estímulo é executada pela prática de carícias nas partes íntimas do corpo da vítima. Por fim, na violência por realização de atos sexuais, acontece a consumação da violência física.
Uma outra definição de violência sexual faz a distinção entre crimes sexuais
bárbaros e crimes sexuais violentos. Os primeiros são aqueles que resultam em homicídios. Os crimes sexuais violentos são aqueles que, segundo Azevedo (2000,p.150), “... recorrem à violência para obter a submissão da vítima a práticas sexuais desejadas pelo agressor.” Estes crimes são divididos em duas categorias: o estupro e o atentado violento ao pudor.
O estupro é a utilização da violência para a realização do coito vaginal ou anal com a vítima. O atentado violento ao pudor, de acordo com Azevedo (2000, p. 151), consiste na “... prática de ato libidinoso praticado mediante coação ...”. Ele envolve todos os atos sexuais diferentes do coito vaginal como “...apalpadelas e beliscões ... coito oral, anal, cunnilingus, conjunção interfemora (sic) e intermamas etc.” (AZEVEDO, 2000, p. 151).
Silva (1999) refere que a violência sexual praticada contra menores é caracterizada pelo processo onde um ou mais adultos homo ou heterossexuais são responsáveis por envolver crianças ou adolescentes em práticas eróticas com a intenção de estimulá-las sexualmente ou utilizá-las na obtenção de satisfação sexual. Estes adultos podem ser o pai, padrasto, irmão, amigo ou desconhecido.
É importante ressaltar, entretanto, que neste trabalho estaremos nos referindo
aos termos violência sexual e abuso sexual como estupro.
Mesmo sendo estudados há tempos, os crimes sexuais ainda são considerados fatos isolados da vida cotidiana das pessoas, portanto, pouco se sabe a respeito das inúmeras e, às vezes, incorrigíveis conseqüências que estes atos podem trazer à vítima de abuso sexual. A maior ênfase no estudo científico da violência sexual é dada aos aspectos físicos gerados pela agressão sofrida. Muito se tem falado e escrito sobre as conseqüências orgânicas e biológicas nas vítimas desse tipo de violência e sobre os mecanismos de repressão e controle da agressão. A sociedade parece mais
preocupada em conter o avanço da criminalidade e da violência do que em prestar uma assistência real e eficaz às vítimas.
Não queremos dizer com isto que a Justiça não deva cumprir seu papel controlador e mantenedor da ordem social, mas sim que existem outros aspectos de fundamental importância que devem ser abordados. A Justiça age “terapeuticamente” em relação à sociedade, curando-a dos males que a criminalidade provoca. O profissional de saúde, mais especificamente o psicólogo, deve, em primeiro lugar, atuar de forma preventiva, evitando que conseqüências psicológicas possam ser desastrosas para o futuro da pessoa que sofreu a violência. Ele pode atuar de forma terapêutica, porém seu enfoque será diferente do jurídico, uma vez que ao psicólogo interessa a saúde psicossocial e, também, física do indivíduo. A Justiça opera no nível da sociedade e o psicólogo opera no nível do indivíduo.

CONSEQÜÊNCIAS DA VIOLÊNCIA SEXUAL

O fator físico é apenas um entre outros envolvidos pelas conseqüências da
violência sexual. Além da agressão física, os crimes sexuais constituem uma agressão psicológica para a vítima. Quando ela é uma criança, os prejuízos podem ser duplicados. Isto porque o desenvolvimento infantil é mais acelerado que em outras fases, por isso, muitas mudanças acontecem em pouco tempo. Os efeitos do choque que representa a violência sexual podem repercutir em diversos aspectos do desenvolvimento da criança até a fase adulta.
Azevedo, Guerra e Vaiciunas (2000) listam como conseqüências psicológicas da violência sexual em curto prazo as dificuldades de adaptação sexual, interpessoal e afetiva. Em longo prazo, as vítimas geralmente apresentam dificuldades de relacionamento com figuras masculinas, pelo fato de os agressores serem, em maioria, homens. A intimidade representa uma ameaça, pois é difícil para a vítima estabelecer vínculos de confiança. As idéias de morte e os suicídios também são conseqüências marcantes segundo as autoras. Estas crianças podem apresentar baixa auto-estima, hostilidade, agressividade, empobrecimento das habilidades sociais e depressão segundo Padilha (2002).
Distúrbios relacionados à sexualidade também são freqüentes tanto na infância quanto na idade adulta dessas vítimas. Ainda de acordo com a autora, são frequentes pensamentos e recordações recorrentes sobre o abuso, medo, ansiedade e uma tendência, que ela diz ser a pior conseqüência, a não acreditar em sua capacidade de controlar as situações, tornando-se uma pessoa passiva, incapaz de se proteger e permitindo que os outros façam consigo o que quiserem, explorando-a muitas vezes.
De acordo com Williams (2002), os sintomas apresentados a curto prazo são o
comportamento sexualizado, ansiedade, medos, pesadelos, depressão, isolamento social, queixas somáticas, fugas de casa, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, comportamentos autodestrutivos, problemas escolares, pensamentos suicidas e comportamentos regressivos como enurese, choros e birra.
A longo prazo, Kendall-Tackett et al (1993 apud WILLIAMS, 2002) mencionam que existe uma tendência ao desaparecimento destes sintomas de 12 a 18 meses após o abuso sexual. Um número considerável de casos, contudo, apresenta agravamento dos sintomas, que podem convergir para depressão, revitimização, perturbações no sono, ansiedade, problemas com relacionamento sexual, uso abusivo de substâncias, ideação suicida, promiscuidade e prostituição.
Papalia e Olds (2000) também citam alguns efeitos do abuso sexual sofrido por
crianças. Entre eles estão os atrasos de linguagem, déficit cognitivo, agressividade, rejeição por parte de outros grupos, abuso de álcool e drogas, e, até mesmo, tendência a tornarem-se delinqüentes quando adultos.
Segundo as autoras, as conseqüências variam de acordo com a idade em que o abuso sexual foi sofrido.
 Os sintomas mais comuns em crianças em idade pré-escolar, vítimas de abuso sexual, são a ansiedade, os pesadelos e um comportamento sexual inapropriado. Já em crianças em idade escolar, encontram-se mais comumente, distúrbios mentais, agressividade, pesadelos, hiperatividade, comportamentos regressivos e problemas escolares. Nos adolescentes, os sintomas mais comuns são a depressão, o abuso de substâncias químicas e o comportamento retraído ou suicida.
Como efeitos manifestados em longo prazo, destacam-se aqueles que os
adultos, com história de violência sexual na infância, apresentam tais como ansiedade, estados depressivos, hostilidade, dificuldade de confiar nas pessoas, sentimentos de isolamento e rotulação e ainda problemas relativos ao aspecto sexual.
Vimos, então, que os efeitos psicológicos gerados pelo abuso sexual são muitos e podem ocorrer das mais diversas formas em qualquer estágio da vida do indivíduo. Eles mostram-se em curto, médio e longo prazo. Crianças vítimas de violência sexual podem sofrer por toda a vida os efeitos desagradáveis da agressão se não passarem por um tratamento adequado. (*2)



*1- Fonte.

*2-   CONSEQÜÊNCIAS PSICOLÓGICAS EM LONGO PRAZO DA VIOLÊNCIA SEXUAL
NA INFÂNCIA  -  JOSYENNE MARIA DE SOUSA SILVA   e  REGIENNE MARIA PAIVA ABREU OLIVEIRA

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