Desenho contido no livro “A
violência silenciosa do incesto “ de Graça Pizá
“O desenho retrata uma
figura metade menina, metade mulher. A autora mirim, como milhares de crianças
brasileiras, foi vítima de abuso incestuoso. Expressa por meio da imagem
ambígua, o conflito entre a sexualidade infantil e a adulta, que lhe foi
imposta precocemente e que ela pouco compreende.” (*1)
ABUSO SEXUAL E
JUSTIÇA
Segundo Michaelis
(1998, p. 609), crime é a “violação dolosa ou culposa da lei
penal..., violação
das regras que a sociedade considera indispensáveis à sua
existência”. Dentre
os crimes mais freqüentes na atualidade, encontram-se os crimes sexuais.
Estes crimes vêm
sendo estudados pela doutrina jurídica ao longo dos tempos.
Como resultado desse
estudo, foram surgindo novas formas de punição para eles. Novas penalidades vêm
sendo aplicadas em diferentes épocas e em diferentes países.
No Brasil, tais
crimes são considerados hediondos. Esta atribuição de penas em nosso país é
recente, pois de acordo com o Código Penal do Brasil de 1940, o atentado violento
ao pudor, por razões ideológicas, era considerado um delito de menor gravidade
que o estupro. Esta situação foi corrigida com a Lei dos Crimes Hediondos.
É imprescindível,
agora, definirmos alguns dos termos aqui abordados. Define-se como
comportamento agressivo aquele que tem por fim impor prejuízos físicos e/ou psicológicos
a outrem. Violência é definida por Ferreira (s/d) como “...constrangimento
físico ou moral; força; coação.” Violência sexual, segundo Hazeu (1998, p. 31)
é uma “... violência física contra a liberdade sexual.”. Ela é todo
investimento sexual feito contra a vontade ou consciência do sujeito paciente,
a vítima. É um ato de coação sexual que não se restringe ao coito
vaginal, mas também
envolve o coito anal, sexo oral e práticas masturbatórias. Hazeu (1998) divide
a violência sexual em três níveis de gravidade: sensorial, por estímulo e por
realização de atos sexuais.
No primeiro caso,
ocorrem representações de ações sexuais que ofendem a
vítima. A violência
por estímulo é executada pela prática de carícias nas partes íntimas do corpo
da vítima. Por fim, na violência por realização de atos sexuais, acontece a consumação
da violência física.
Uma outra definição
de violência sexual faz a distinção entre crimes sexuais
bárbaros e crimes
sexuais violentos. Os primeiros são aqueles que resultam em homicídios. Os
crimes sexuais violentos são aqueles que, segundo Azevedo (2000,p.150), “...
recorrem à violência para obter a submissão da vítima a práticas sexuais desejadas
pelo agressor.” Estes crimes são divididos em duas categorias: o estupro e o
atentado violento ao pudor.
O estupro é a
utilização da violência para a realização do coito vaginal ou anal com a
vítima. O atentado violento ao pudor, de acordo com Azevedo (2000, p. 151),
consiste na “... prática de ato libidinoso praticado mediante coação ...”. Ele
envolve todos os atos sexuais diferentes do coito vaginal como “...apalpadelas
e beliscões ... coito oral, anal, cunnilingus, conjunção interfemora (sic)
e intermamas etc.” (AZEVEDO, 2000, p. 151).
Silva (1999) refere
que a violência sexual praticada contra menores é caracterizada pelo processo
onde um ou mais adultos homo ou heterossexuais são responsáveis por envolver
crianças ou adolescentes em práticas eróticas com a intenção de estimulá-las
sexualmente ou utilizá-las na obtenção de satisfação sexual. Estes adultos
podem ser o pai, padrasto, irmão, amigo ou desconhecido.
É importante
ressaltar, entretanto, que neste trabalho estaremos nos referindo
aos termos violência
sexual e abuso sexual como estupro.
Mesmo sendo estudados
há tempos, os crimes sexuais ainda são considerados fatos isolados da vida
cotidiana das pessoas, portanto, pouco se sabe a respeito das inúmeras e, às
vezes, incorrigíveis conseqüências que estes atos podem trazer à vítima de
abuso sexual. A maior ênfase no estudo científico da violência sexual é dada
aos aspectos físicos gerados pela agressão sofrida. Muito se tem falado e
escrito sobre as conseqüências orgânicas e biológicas nas vítimas desse tipo de
violência e sobre os mecanismos de repressão e controle da agressão. A
sociedade parece mais
preocupada em conter
o avanço da criminalidade e da violência do que em prestar uma assistência real
e eficaz às vítimas.
Não queremos dizer
com isto que a Justiça não deva cumprir seu papel controlador e mantenedor da
ordem social, mas sim que existem outros aspectos de fundamental importância
que devem ser abordados. A Justiça age “terapeuticamente” em relação à
sociedade, curando-a dos males que a criminalidade provoca. O profissional de
saúde, mais especificamente o psicólogo, deve, em primeiro lugar, atuar de
forma preventiva, evitando que conseqüências psicológicas possam ser
desastrosas para o futuro da pessoa que sofreu a violência. Ele pode atuar de
forma terapêutica, porém seu enfoque será diferente do jurídico, uma vez que ao
psicólogo interessa a saúde psicossocial e, também, física do indivíduo. A
Justiça opera no nível da sociedade e o psicólogo opera no nível do indivíduo.
CONSEQÜÊNCIAS DA
VIOLÊNCIA SEXUAL
O fator físico é
apenas um entre outros envolvidos pelas conseqüências da
violência sexual.
Além da agressão física, os crimes sexuais constituem uma agressão psicológica
para a vítima. Quando ela é uma criança, os prejuízos podem ser duplicados.
Isto porque o desenvolvimento infantil é mais acelerado que em outras fases,
por isso, muitas mudanças acontecem em pouco tempo. Os efeitos do choque que
representa a violência sexual podem repercutir em diversos aspectos do desenvolvimento
da criança até a fase adulta.
Azevedo, Guerra e
Vaiciunas (2000) listam como conseqüências psicológicas da violência sexual em
curto prazo as dificuldades de adaptação sexual, interpessoal e afetiva. Em
longo prazo, as vítimas geralmente apresentam dificuldades de relacionamento
com figuras masculinas, pelo fato de os agressores serem, em maioria, homens. A
intimidade representa uma ameaça, pois é difícil para a vítima estabelecer
vínculos de confiança. As idéias de morte e os suicídios também são conseqüências
marcantes segundo as autoras. Estas crianças podem apresentar baixa
auto-estima, hostilidade, agressividade, empobrecimento das habilidades sociais
e depressão segundo Padilha (2002).
Distúrbios
relacionados à sexualidade também são freqüentes tanto na infância quanto na
idade adulta dessas vítimas. Ainda de acordo com a autora, são frequentes pensamentos
e recordações recorrentes sobre o abuso, medo, ansiedade e uma tendência, que
ela diz ser a pior conseqüência, a não acreditar em sua capacidade de controlar
as situações, tornando-se uma pessoa passiva, incapaz de se proteger e permitindo
que os outros façam consigo o que quiserem, explorando-a muitas vezes.
De acordo com
Williams (2002), os sintomas apresentados a curto prazo são o
comportamento
sexualizado, ansiedade, medos, pesadelos, depressão, isolamento social, queixas
somáticas, fugas de casa, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, comportamentos
autodestrutivos, problemas escolares, pensamentos suicidas e comportamentos
regressivos como enurese, choros e birra.
A longo prazo,
Kendall-Tackett et al (1993 apud WILLIAMS, 2002) mencionam que existe uma
tendência ao desaparecimento destes sintomas de 12 a 18 meses após o abuso
sexual. Um número considerável de casos, contudo, apresenta agravamento dos
sintomas, que podem convergir para depressão, revitimização, perturbações no
sono, ansiedade, problemas com relacionamento sexual, uso abusivo de
substâncias, ideação suicida, promiscuidade e prostituição.
Papalia e Olds (2000)
também citam alguns efeitos do abuso sexual sofrido por
crianças. Entre eles
estão os atrasos de linguagem, déficit cognitivo, agressividade, rejeição por
parte de outros grupos, abuso de álcool e drogas, e, até mesmo, tendência a
tornarem-se delinqüentes quando adultos.
Segundo as autoras,
as conseqüências variam de acordo com a idade em que o abuso sexual foi
sofrido.
Os sintomas mais comuns em crianças em idade
pré-escolar, vítimas de abuso sexual, são a ansiedade, os pesadelos e um
comportamento sexual inapropriado. Já em crianças em idade escolar,
encontram-se mais comumente, distúrbios mentais, agressividade, pesadelos,
hiperatividade, comportamentos regressivos e problemas escolares. Nos
adolescentes, os sintomas mais comuns são a depressão, o abuso de substâncias
químicas e o comportamento retraído ou suicida.
Como efeitos
manifestados em longo prazo, destacam-se aqueles que os
adultos, com história
de violência sexual na infância, apresentam tais como ansiedade, estados
depressivos, hostilidade, dificuldade de confiar nas pessoas, sentimentos de isolamento
e rotulação e ainda problemas relativos ao aspecto sexual.
Vimos, então, que os
efeitos psicológicos gerados pelo abuso sexual são muitos e podem ocorrer das
mais diversas formas em qualquer estágio da vida do indivíduo. Eles mostram-se
em curto, médio e longo prazo. Crianças vítimas de violência sexual podem
sofrer por toda a vida os efeitos desagradáveis da agressão se não passarem por
um tratamento adequado. (*2)
*2-
CONSEQÜÊNCIAS PSICOLÓGICAS EM
LONGO PRAZO DA VIOLÊNCIA SEXUAL
NA INFÂNCIA - JOSYENNE
MARIA DE SOUSA SILVA e REGIENNE MARIA PAIVA ABREU OLIVEIRA
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