Sabemos todos.
"Muitas coisas que nós precisamos podem esperar. A proteção à criança não pode. Agora é o tempo em que seus ossos estão sendo formados; seu sangue está sendo feito; sua mente está sendo desenvolvida. Para ela nós não podemos dizer amanhã. Seu nome é hoje".
Gabriela Mistra
Hoje, no
instante em que você deita os olhos nesse texto, há inúmeras crianças sofrendo
violência sexual. O site da Unicef no
Brasil aponta que a cada dia, 129 casos
de violência psicológica, física e sexual contra crianças e adolescentes são
reportados, em média, ao Disque Denúncia 100. Isso quer dizer que, a cada hora,
cinco novos casos de violência contra meninas e meninos são registrados no
País. Esse quadro pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração que
muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados.
Não são denunciados porque muitas vezes as pessoas responsáveis por elas que deveriam
proporcionar proteção e cuidados são as mesmas que fazem uso dos seus corpos em
desenvolvimento para obtenção de prazer sexual ou ganho financeiro. Os órgãos e
instituições competentes não ouvem o relato de incontáveis vítimas silenciosas
porque há ainda o entendimento geral de que a violência ocorrida em ambiente
doméstico deve ser resolvida por iniciativa da família. Agressores cruéis
repetem por décadas sua rotina de causar violência
física e psíquica marcando com dor pungente a infância de tantas crianças
porque muitos preferem conduzir suas vidas com o olhar estreito, alheio a
qualquer realidade que julgue não ser sua. Há que se entender que a
violência e exploração sexual infantil não é uma questão que deva ser encarada
como uma ferida íntima, posto que essa realidade atroz é uma dilacerante chaga
social.
Não podemos continuar discutindo as
instalações e infraestrutura para os turistas que virão assistir a copa e ignorar
que por sermos rota de turismo sexual
pedófilos do mundo inteiro visitam nosso território para fazer sexo com
crianças, porque embora isso seja crime nosso notório e flexível “jeitinho”
permite essa prática. É vergonhoso para nós que seja mais relevante para a
maioria da população saber qual será a punição para o vilão fictício de
qualquer lixo cultural exibido no horário nobre de televisão do que conhecer os
meios para se punir o criminoso real. Estamos tão moldados pela cultura de
consumo que aplaudimos a erotização da infância através de produtos da indústria do
entretenimento e publicidade em nome da ampliação do mercado consumidor, sem
nos darmos conta de que isso fere o desenvolvimento infantil e dispõe da infância de uma maneira nociva a
medida em que incentiva a exibição dos corpos infanto-juvenis como
objetos de desejo e sedução.
O contexto de violência e exploração sexual a que a
infância está exposta no Brasil é uma construção cultural na qual todos em
menor ou maior grau de intensidade contribuímos para formar e manter. Esse
fato, no entanto, não deve ser encarado como algo negativo. Pois, uma vez que
construímos podemos desconstruir.
O enfrentamento a esse mal está na dependência direta de
uma mobilização social combativa. Precisamos sair do estado de omissão e
passividade que nos encontramos enquanto povo e sociedade para promovermos a
mudança necessária para protegermos a infância de agressões tão frequentes e
cruéis. Devemos fazer isso não porque somos pais, tios, avós, ou temos crianças
em nosso meio que queremos proteger. Devemos fazê-lo porque somos humanos e sabemos
todos o que é ser criança.
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