Sabemos todos.

09:21 Angela Fakir 0 Comments


‎"Muitas coisas que nós precisamos podem esperar. A proteção à criança não pode.  Agora é o tempo em que seus ossos estão sendo formados; seu sangue está sendo feito; sua mente está sendo desenvolvida. Para ela nós não podemos dizer amanhã. Seu nome é hoje".
Gabriela Mistra
Hoje, no instante em que você deita os olhos nesse texto, há inúmeras crianças sofrendo violência sexual.  O site da Unicef no Brasil aponta que a cada dia, 129 casos de violência psicológica, física e sexual contra crianças e adolescentes são reportados, em média, ao Disque Denúncia 100. Isso quer dizer que, a cada hora, cinco novos casos de violência contra meninas e meninos são registrados no País. Esse quadro pode ser ainda mais grave se levarmos em consideração que muitos desses crimes nunca chegam a ser denunciados. Não são denunciados porque muitas vezes as pessoas  responsáveis por elas que deveriam proporcionar proteção e cuidados são as mesmas que fazem uso dos seus corpos em desenvolvimento para obtenção de prazer sexual ou ganho financeiro. Os órgãos e instituições competentes não ouvem o relato de incontáveis vítimas silenciosas porque há ainda o entendimento geral de que a violência ocorrida em ambiente doméstico deve ser resolvida por iniciativa da família. Agressores cruéis repetem por décadas sua rotina de  causar  violência física e psíquica marcando com dor pungente a infância de tantas crianças porque muitos preferem conduzir suas vidas com o olhar estreito, alheio a qualquer realidade que julgue não ser sua. Há que se entender que a violência e exploração sexual infantil não é uma questão que deva ser encarada como uma ferida íntima, posto que essa realidade atroz é uma dilacerante chaga social. Não podemos continuar discutindo as instalações e infraestrutura para os turistas que virão assistir a copa e ignorar que  por sermos rota de turismo sexual pedófilos do mundo inteiro visitam nosso território para fazer sexo com crianças, porque embora isso seja crime nosso notório e flexível “jeitinho” permite essa prática. É vergonhoso para nós que seja mais relevante para a maioria da população saber qual será a punição para o vilão fictício de qualquer lixo cultural exibido no horário nobre de televisão do que conhecer os meios para se punir o criminoso real. Estamos tão moldados pela cultura de consumo que aplaudimos a erotização da infância  através de produtos da indústria do entretenimento e publicidade em nome da ampliação do mercado consumidor, sem nos darmos conta de que isso fere o desenvolvimento infantil  e dispõe da infância de uma maneira nociva a medida em que incentiva  a exibição dos corpos infanto-juvenis como objetos de desejo e sedução. O contexto de violência e exploração sexual a que a infância está exposta no Brasil é uma construção cultural na qual todos em menor ou maior grau de intensidade contribuímos para formar e manter. Esse fato, no entanto, não deve ser encarado como algo negativo. Pois, uma vez que construímos podemos desconstruir. O enfrentamento a esse mal está na dependência direta de uma mobilização social combativa. Precisamos sair do estado de omissão e passividade que nos encontramos enquanto povo e sociedade para promovermos a mudança necessária para protegermos a infância de agressões tão frequentes e cruéis. Devemos fazer isso não porque somos pais, tios, avós, ou temos crianças em nosso meio que queremos proteger. Devemos fazê-lo porque somos humanos e sabemos todos o que é ser criança.

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