Legislação e práticas relativas a violência e exploração sexual infantil.
No artigo, Limites e obstáculos para o cumprimento do papel dos Conselhos Tutelares a garantia de direitos de crianças e de adolescentes em situação de violência sexual (*1 ) , Digiácomo traz uma explanação sobre as questões jurídicas que norteiam as ações relativas a violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes, atualmente em nosso país. Transcrevo aqui um trecho desse artigo:
“Normas relativas à violência, abuso e exploração sexual
A Constituição Federal
estabelece, de forma expressa, no caput 227, que é dever da família, da
sociedade e do poder público colocar crianças e adolescentes:
“A salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, o
que logicamente abrange o combate à violência sexual, sendo o §4°, do mesmo
dispositivo constitucional mais explícito, ao prever, de maneira expressa, que:
“A lei punirá
severamente o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e
adolescentes”.
O Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA (1990, art. 5º), por sua vez, também garante de forma genérica,
a proteção de crianças e adolescentes contra:
“Qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”,
dispondo seu art. 18 que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do
adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento,
aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Regra também contida no
Estatuto (1990, art. 70), porém agora com uma conotação eminentemente preventiva:
“É dever de todos
prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do
adolescente”.
A fim de dar maior
concretude a tais disposições a norma nacional (ECA, 1990, arts. 13 e 56,
inciso I) impõem a profissionais da área da saúde e da educação, a obrigação de
comunicar ao Conselho Tutelar, os casos de mera suspeita ou, é claro, de
confirmação de maus tratos praticados contra crianças e adolescentes, o que
também compreende (numa interpretação extensiva autorizada pelo ECA, 1990, pelos
arts. 1°, 5° e 6°, c/c arts. 18 e 70), a suspeita ou confirmação de violência
sexual, inclusive sob
pena da prática da
infração administrativa prevista no art. 245 estatutário.De forma mais explícita,
o ECA, 1990, art. 130, dispõe que:
“Verificada a hipótese
de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade
judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor
da moradia comum”.
Essa medida que visa
evitar que a criança ou o adolescente vitimizado seja privado de seu direito à convivência
familiar e acabe sendo encaminhado a entidades de acolhimento institucional,
devendo o quanto possível permanecer na companhia de seus irmãos e do pai, mãe
ou responsável que não tenha sido o(a) causador(a) do abuso praticado, de
preferência em sua própria residência.
A fim de estimular e
facilitar a denúncia de casos de violência sexual contra crianças e
adolescentes, a Lei n° 11.577/2007, de 22/11/2007, tornou obrigatória a
divulgação, em hotéis, motéis, pousadas e outros que prestem serviços de
hospedagem, além de bares, restaurantes, lanchonetes e similares, casas noturnas
etc., de mensagem relativa à exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes
apontando
formas para acionar as
autoridades competentes.
Vale mencionar que a
hospedagem de crianças e adolescentes desacompanhadas ou não autorizadas pelos
pais ou responsável em hotéis, motéis, pensões e congêneres (locais nos quais,
muitas vezes, ocorre a exploração sexual), caracteriza infração administrativa
prevista (ECA, 1990, art. 250) e o ingresso e a permanência de crianças e
adolescentes desacompanhados de seus pais ou responsável em boates ou
congêneres podem ser limitados pela autoridade judiciária, por intermédio de
portaria
judicial específica
(ECA, 1990, art. 149, inciso I, alínea “c”).
Salienta-se que,
recentemente, houve um recrudescimento do tratamento dispensado pela Lei Penal
aos autores de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, tendo a Lei nº
12.015/2009, de 07/08/2009, promovido alterações no Código Penal e na Lei de
Crimes Hediondos, estabelecendo penas mais rigorosas para quem comete ou
facilita a violência sexual contra crianças e adolescentes. Estabeleceu ainda
uma tutela diferenciada quando as vítimas forem crianças e adolescentes com
idade inferior a 14 (quatorze) anos, ou se tratar de pessoa que, por
enfermidade ou deficiência mental não necessário discernimento para a prática do ato
ou por qualquer motivo, não possa defender-se (que passam a ser consideradas
pessoas vulneráveis). A simples prática de qualquer ato libidinoso com tais
pessoas configura crime (Código Penal ,
art. 217-A)8, com pena
prevista de oito a 15 (quinze) anos de reclusão, não mais havendo que se falar
em “presunção de violência”, tal qual era previsto pelo art. 224 do Código
Penal (o crime é meramente formal e a existência ou não de consentimento da
vítima é absolutamente irrelevante para sua caracterização).
Foi também criado o novo
tipo penal de “Favorecimento da Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual
de Vulnerável” (Código Penal , art. 218-C), segundo o qual:
Submeter, induzir ou
atrair criança ou adolescente menor de 14 (catorze) anos à prostituição ou
outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que a
abandone é punido com 04 (quatro) a 10 (dez) anos de reclusão, sendo que o
proprietário, o gerente ou o responsável pelo local que permitir tais práticas
também responde pelo mesmo crime.E, sendo estabelecimento comercial,
constitui-se efeito obrigatório da sentença a cassação da licença para
localização e autorização de funcionamento.
Ainda como inovação, as
ações destinadas à persecução penal dos autores de crimes de natureza sexual contra
vítimas menores de 18 (dezoito) anos e outras consideradas vulneráveis passaram
a ser públicas incondicionadas (não mais dependendo, de autorização da vítima
ou de seu representante legal para sua deflagração) e não mais privadas,
independentemente da situação financeira e relação familiar (Código Penal ,
art. 225).
Paralelamente aos tipos
penais previstos nos arts. 213 a 234-B, do Código Penal, e do crime de abandono
moral, previsto no art. 247, do mesmo Diploma Legal, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seus arts. 241 a 241-E10, e 244-A também tipifica vários crimes
sexuais contra crianças e adolescentes, visando coibir, acima de tudo, a
chamada pedofilia e a exploração sexual contra crianças e adolescentes...
...No entanto todo esse
arcabouço jurídico de nada adianta se os órgãos e as autoridades públicas responsáveis
não agirem de forma adequada e articulada, buscando a solução do problema em
suas origens, através de políticas e programas de atendimento voltados à
prevenção e ao tratamento especializado das vítimas e de seus pais ou
responsável.”(*1)
Diante disso, podemos entender
que a legislação brasileira possui os dispositivos para responsabilizar
culpados, criar políticas publicas de enfrentamento ao problema, prestar
atendimento e apoio as vítimas e familiares.
Há que se questionar, porém, o motivo que gera tamanha discrepância entre
legislação e práticas.
O entendimento de que a
violência e exploração sexual infantil é uma realidade complexa resultante de
uma soma de fatores – econômicos, sociais, psicológicos, histórico-culturais – enraizados nas relações
de poder e no modo de organização social contemporâneo que supervaloriza o
consumo e transmuta valores humanos em valores mercadológicos, coloca-nos
enquanto sociedade o desafio de agir no sentido de promover mudanças
significativas nesse quadro.
E, embora possamos pensar que
tamanha complexidade inviabiliza o enfrentamento dessa realidade degradante, o
fato é que uma sociedade e todos os
conceitos e ações que se manifestam nela é composta por pessoas e
consequentemente são pessoas quem possui a capacidade de construir novos
conceitos e ações. O Relatório
do Estudo das Nações Unidas sobre a Violência contra Crianças , 2006, afirma que “Cada sociedade, independentemente
de suas bases culturais, econômicas ou sociais, pode e deve pôr fim à violência
contra crianças e adolescentes. Para que esta meta seja alcançada, não basta
condenar os praticantes desse tipo de violência. É necessário, também, mudar a
mentalidade das sociedades e as condições econômicas e sociais subjacentes que
provocam essa violência”
Porquanto, temos a
clara percepção de que o combate a essa realidade está na dependência direta da
mobilização social, assim como a sua continuidade é gerada por nossa omissão.
*1- Limites e obstáculos para o
cumprimento do papel dos Conselhos Tutelares na garantia de direitos de
crianças e de adolescentes em situação de violência sexual
Murillo José Digiácomo
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