Legislação e práticas relativas a violência e exploração sexual infantil.

07:38 Angela Fakir 0 Comments


No artigo, Limites e obstáculos para o cumprimento do papel dos Conselhos Tutelares a garantia de direitos de crianças e de adolescentes em situação de violência sexual (*1 ) , Digiácomo  traz  uma explanação sobre as questões jurídicas que norteiam as ações relativas a violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes, atualmente em nosso país. Transcrevo aqui um trecho desse artigo:

Normas relativas à violência, abuso e exploração sexual

A Constituição Federal estabelece, de forma expressa, no caput 227, que é dever da família, da sociedade e do poder público colocar crianças e adolescentes:
“A salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, o que logicamente abrange o combate à violência sexual, sendo o §4°, do mesmo dispositivo constitucional mais explícito, ao prever, de maneira expressa, que:
“A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes”.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990, art. 5º), por sua vez, também garante de forma genérica, a proteção de crianças e adolescentes contra:
“Qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, dispondo seu art. 18 que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
Regra também contida no Estatuto (1990, art. 70), porém agora com uma conotação eminentemente preventiva:
“É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”.
A fim de dar maior concretude a tais disposições a norma nacional (ECA, 1990, arts. 13 e 56, inciso I) impõem a profissionais da área da saúde e da educação, a obrigação de comunicar ao Conselho Tutelar, os casos de mera suspeita ou, é claro, de confirmação de maus tratos praticados contra crianças e adolescentes, o que também compreende (numa interpretação extensiva autorizada pelo ECA, 1990, pelos arts. 1°, 5° e 6°, c/c arts. 18 e 70), a suspeita ou confirmação de violência sexual, inclusive sob
pena da prática da infração administrativa prevista no art. 245 estatutário.De forma mais explícita, o ECA, 1990, art. 130, dispõe que:
“Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum”.
Essa medida que visa evitar que a criança ou o adolescente vitimizado seja privado de seu direito à convivência familiar e acabe sendo encaminhado a entidades de acolhimento institucional, devendo o quanto possível permanecer na companhia de seus irmãos e do pai, mãe ou responsável que não tenha sido o(a) causador(a) do abuso praticado, de preferência em sua própria residência.
A fim de estimular e facilitar a denúncia de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, a Lei n° 11.577/2007, de 22/11/2007, tornou obrigatória a divulgação, em hotéis, motéis, pousadas e outros que prestem serviços de hospedagem, além de bares, restaurantes, lanchonetes e similares, casas noturnas etc., de mensagem relativa à exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes apontando
formas para acionar as autoridades competentes.
Vale mencionar que a hospedagem de crianças e adolescentes desacompanhadas ou não autorizadas pelos pais ou responsável em hotéis, motéis, pensões e congêneres (locais nos quais, muitas vezes, ocorre a exploração sexual), caracteriza infração administrativa prevista (ECA, 1990, art. 250) e o ingresso e a permanência de crianças e adolescentes desacompanhados de seus pais ou responsável em boates ou congêneres podem ser limitados pela autoridade judiciária, por intermédio de portaria
judicial específica (ECA, 1990, art. 149, inciso I, alínea “c”).
Salienta-se que, recentemente, houve um recrudescimento do tratamento dispensado pela Lei Penal aos autores de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, tendo a Lei nº 12.015/2009, de 07/08/2009, promovido alterações no Código Penal e na Lei de Crimes Hediondos, estabelecendo penas mais rigorosas para quem comete ou facilita a violência sexual contra crianças e adolescentes. Estabeleceu ainda uma tutela diferenciada quando as vítimas forem crianças e adolescentes com idade inferior a 14 (quatorze) anos, ou se tratar de pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental não  necessário discernimento para a prática do ato ou por qualquer motivo, não possa defender-se (que passam a ser consideradas pessoas vulneráveis). A simples prática de qualquer ato libidinoso com tais pessoas configura crime (Código Penal ,
art. 217-A)8, com pena prevista de oito a 15 (quinze) anos de reclusão, não mais havendo que se falar em “presunção de violência”, tal qual era previsto pelo art. 224 do Código Penal (o crime é meramente formal e a existência ou não de consentimento da vítima é absolutamente irrelevante para sua caracterização).
Foi também criado o novo tipo penal de “Favorecimento da Prostituição ou Outra Forma de Exploração Sexual de Vulnerável” (Código Penal , art. 218-C), segundo o qual:
Submeter, induzir ou atrair criança ou adolescente menor de 14 (catorze) anos à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone é punido com 04 (quatro) a 10 (dez) anos de reclusão, sendo que o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local que permitir tais práticas também responde pelo mesmo crime.E, sendo estabelecimento comercial, constitui-se efeito obrigatório da sentença a cassação da licença para localização e autorização de funcionamento.
Ainda como inovação, as ações destinadas à persecução penal dos autores de crimes de natureza sexual contra vítimas menores de 18 (dezoito) anos e outras consideradas vulneráveis passaram a ser públicas incondicionadas (não mais dependendo, de autorização da vítima ou de seu representante legal para sua deflagração) e não mais privadas, independentemente da situação financeira e relação familiar (Código Penal , art. 225).
Paralelamente aos tipos penais previstos nos arts. 213 a 234-B, do Código Penal, e do crime de abandono moral, previsto no art. 247, do mesmo Diploma Legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus arts. 241 a 241-E10, e 244-A também tipifica vários crimes sexuais contra crianças e adolescentes, visando coibir, acima de tudo, a chamada pedofilia e a exploração sexual contra crianças e adolescentes...
...No entanto todo esse arcabouço jurídico de nada adianta se os órgãos e as autoridades públicas responsáveis não agirem de forma adequada e articulada, buscando a solução do problema em suas origens, através de políticas e programas de atendimento voltados à prevenção e ao tratamento especializado das vítimas e de seus pais ou responsável.”(*1)

Diante disso, podemos entender que a legislação brasileira possui os dispositivos para responsabilizar culpados, criar políticas publicas de enfrentamento ao problema, prestar atendimento e apoio as vítimas  e familiares. Há que se questionar, porém, o motivo que gera tamanha discrepância entre legislação e práticas.
O entendimento de que a violência e exploração sexual infantil é uma realidade complexa resultante de uma soma de fatores – econômicos, sociais, psicológicos,  histórico-culturais – enraizados nas relações de poder e no modo de organização social contemporâneo que supervaloriza o consumo e transmuta valores humanos em valores mercadológicos, coloca-nos enquanto sociedade o desafio de agir no sentido de promover mudanças significativas nesse quadro.
E, embora possamos pensar que tamanha complexidade inviabiliza o enfrentamento dessa realidade degradante, o fato é que uma sociedade  e todos os conceitos e ações que se manifestam nela é composta por pessoas e consequentemente são pessoas quem possui a capacidade de construir novos conceitos e ações. O Relatório do Estudo das Nações Unidas sobre a Violência contra Crianças , 2006,  afirma que “Cada sociedade, independentemente de suas bases culturais, econômicas ou sociais, pode e deve pôr fim à violência contra crianças e adolescentes. Para que esta meta seja alcançada, não basta condenar os praticantes desse tipo de violência. É necessário, também, mudar a mentalidade das sociedades e as condições econômicas e sociais subjacentes que provocam essa violência”
Porquanto,  temos a clara percepção de que o combate a essa realidade está na dependência direta da mobilização social, assim como a sua continuidade é gerada por nossa omissão.



*1- Limites e obstáculos para o cumprimento do papel dos Conselhos Tutelares na garantia de direitos de crianças e de adolescentes em situação de violência sexual
Murillo José Digiácomo


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