Sistema de desvinculo
"Um sistema de desvinculo:
Boi sozinho se lambe melhor..,
O próximo, o outro, não é seu irmão, nem seu
amante. O outro é um competidor, um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma
coisa a ser usada. O sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar: condena
muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços."
Eduardo Galeano
Vivemos em um mundo onde o
desejo suplanta a necessidade e a moeda suplanta a quase tudo, isso faz com que
pareça legítimo que o desejo de comer em fina porcelana seja satisfeito por
quem possa adquirir a louça enquanto a fome de muitos continua a magoar lhes as
vísceras. Assim, estamos vendo surgir e efetivar-se em quase todas as culturas
atuais um processo de mercantilização da vida que transforma tudo em comércio à
medida que cria produtos e/ou serviços que prometem a satisfação de todos os
desejos e necessidades reais ou inventadas que possamos ter. E, dessa maneira,
divide-se a população humana entre aqueles que podem pagar e os que vivem
escravizados pela possibilidade de um dia eles também serem compradores.
Passamos pela vida, muitas vezes, sem nos darmos conta de que estamos inseridos
em um sistema que tem no lucro o seu objetivo principal, e a exploração de
pessoas é prática aceitável e fundamental para que se alcance esse objetivo.
Esse arranjo sócio cultural doentio está na base da realidade de
sofrimento, exploração e violência sexual que inúmeras crianças vivenciam.
Independente da legislação de um país, ou do entendimento que se faça sobre bem
e mal, pessoas conseguem obter a satisfação do desejo sexual que sentem por
corpos infantis, tornar isso prática de sexualidade sem se importar com os
danos que isso causa ao desenvolvimento e integridade dessas crianças e ficar
impunes se puderem pagar por isso. Isso acontece por diversos fatores que se
relacionam, mas certamente a obtenção de lucro com a exploração sexual infantil
contribui intensamente para a existência e manutenção dessa realidade
degradante.
Carolina Padilha (*1), coordenadora de Programas da Childhood Brasil do
Instituto WFC, aponta que a idade média
das crianças que se prostituem nas
estradas brasileiras é de 12 anos. Mas há casos em que meninos e meninas
começam com 8 anos . É notório que o Brasil é rota para turismo sexual e que o número de crianças sendo exploradas sexualmente
por pessoas que entram no país com essa finalidade é alto e que a prática de
exploração sexual infantil ocorre em nosso país apesar de constituir prática
ilegal e socialmente repudiada. Ricardo Breier(*2) , afirma que “Muitos
pedófilos buscam zonas de terceiro mundo, onde a fiscalização das autoridades é
precária e, em muitos casos, corrupta, o que viabiliza a exploração sexual
infantil turística. Segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT), já
no ano de 1996 estimava a cifra de 3.552.000 turistas sexuais, com um único
objetivo de manter relações sexuais com crianças e/ou adolescentes. Segundo
especialistas, não basta perseguir o turista sexual, é necessária a consciência
social para uma efetiva proteção às vítimas desta prática reprovável.”
Outra forma de exploração sexual infantil que tem se tornado epidêmica
no mundo todo diz respeito a podução e venda de pornografia infantil através da
internet, Franciny Roberta Dos Santos(* 3) aponta que : “Tendo como principal
meio de divulgação a Internet, a pedofilia movimenta milhões de dólares por ano
e expõe milhares de crianças indefesas a abusos que nem mesmo adultos
suportariam. Para se ter uma idéia, hoje existem Clubes de Pedofilia! Esses
‘Clubes’ servem para associar pedófilos pelo mundo; onde estes podem adquirir
fotos ou vídeos contendo pornografia infantil ou, pior, contratar serviços de
exploradores sexuais, fazer turismo sexual ou mesmo efetivar o tráfico de
menores e aliciá-los para práticas e abusos sexuais. Este circo de horrores é
responsável pelo desaparecimento de crianças no mundo inteiro.”
Comecei esse texto citando o pequeno trecho da obra de Eduardo Galeano
por que percebo que embora a maioria das pessoas tenham o entendimento que a violência
e exploração sexual infantil seja algo cruel e degradante poucas são as pessoas
que fazem algo efetivo para que a realidade de dor e sofrimento a que muitas
meninas e meninos estão vivenciando deixe de existir. Nascer e crescer em uma sociedade que promove
o sistema de desvinculo que Galeano se refere tem nos tornados seres
desprovidos de empatia pela dor do outro. Somos moldados a não enxergar aquilo
que não nos atinge diretamente, ensinados por diversos meios a crer que a miséria
alheia acontece por mérito do miserável e não pela forma desigual e injusta que
utilizamos os recursos, treinados para sempre encontrar um argumento que
culpabilize a vítima(*4) e não o sistema injusto em que todos estamos
inseridos, adestrados a aceitar que o lucro permita atrocidades ...
No entanto, não há crença ou adestramento que mude o fato de que a
diferença entre a criança que tem seu corpo e sua integridade violados para
gerar ganhos financeiros a pessoas que se dispõem a explorá-las e a criança da
sua família, que você certamente ama e protege, é uma construção social e por
isso pode e deve ser desconstruída. Devemos retirar a venda que nos impede de
ver no outro alguém como nós, na criança violentada que estampa o noticiário
policial uma criança como nossos filhos, entendermos que para alterar a realidade
de violência e exploração sexual que é imposta a tantos temos que nos importar
e agir.
veja mais em:
(*2)
(*3)
REPRESSÃO À PRÁTICA DA PEDOFILIA NA
INTERNET-FRANCINY ROBERTA DOS SANTOS
(*4)
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