Prenda sua cabrita que meu bode pasta solto.
Hoje gostaria de abordar um aspecto muito cruel presente na realidade da violência e exploração sexual infantil: o entendimento de que parte ou toda a culpa nesses casos é da criança ou adolescente envolvidos. Isso pode ser percebido na fala das pessoas que afirmam que a vitima de violência sexual provocou a agressão através das roupas e comportamento apresentado, como se alguma atitude da vitima pudesse isentar o agressor da culpa pelos seus atos.
Já ouvi pessoas defenderem o direito do cliente da
exploração infantil receber o sexo pelo qual pagou desde que as meninas de corpos frágeis em
desenvolvimento não sejam mais virgens,
mães alegarem que suas filhas pequenas tentaram lhe roubar o parceiro, pedófilos
afirmarem que não prejudicaram as crianças que usaram para obtenção doentia de prazer por que essas consentiram e
gostaram das carícias, representantes religiosos dizer em alto e bom som que um
pedófilo merece mais o céu do que a criança que ele engravidou caso opte por
interromper a gestação...
É como se houvesse no ideário de muitas pessoas o
entendimento rançoso de que o homem tem o direito de exercer sua sexualidade
com quem a provoque desejo, independente de questões como o respeito ao desenvolvimento integro de
crianças ou o consentimento feminino. É o
velho conceito contido no ditado popular que diz “ amarre suas cabritas que meu
bode pasta solto”.
No entanto pensar dessa forma é negar as mulheres a
igualdade de direitos e valores que possuem em relação aos homens e negar as
crianças o desenvolvimento saudável de sua sexualidade e afetividade. É contribuir
para a continuidade dessa modalidade de violência tão atroz quanto frequente.
E, não importa quantas pessoas pensem assim o entendimento legal é o de que “Atos
de pedofilia, sejam individual ou pela mercantilização de material pornográfico
infantil, retratam violações a Direitos Humanos.” (*1) e que “É dever de todos velar
pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer
tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”(*2). Portanto, trata-se de um exercício de
cidadania assumir uma postura combativa de enfrentamento a essa realidade.
Na obra Criança
e Adolescente: Direitos, Sexualidades e Reprodução (*3),
os autores apontam para o fato de que a compreensão de direitos humanos assim
como vivência prática desses direitos em nossos cotidianos são uma construção histórico-social
e que exatamente por sê-lo é susceptível
de mudança:
“A
ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de igual
consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades
humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação
da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano.
Ao longo da história as mais graves
violações aos direitos humanos tiveram como fundamento a dicotomia do “eu versus
o outro”, em que a diversidade era captada como elemento para aniquilar direitos.
Vale dizer, a diferença era visibilizada para conceber o “outro” como um ser
menor em dignidade e direitos ou em situações limites, um ser esvaziado mesmo
de qualquer dignidade, um ser descartável, um ser supérfluo, objeto de compra e
venda (como na escravidão) ou de campos de extermínio (como no nazismo).
Nesse sentido, a violação aos direitos
das crianças e adolescentes resulta da manifestação de uma relação assimétrica
de poder, radicada em uma cultura adultocêntrica, que “menoriza” crianças e
adolescentes, em dignidade, direitos e cidadania. O critério geracional, somado
aos recortes de gênero, raça e etnia, acentua o grau de vulnerabilidade de
crianças e adolescentes...
...Se os direitos humanos não são um
dado, mas um construído, as violações a estes direitos também o são. Isto é, as
violações, as exclusões, as discriminações, as intolerâncias e as injustiças
são um construído histórico, a ser urgentemente desconstruído, sendo
emergencial a adoção de medidas eficazes para romper com a herança de
violações, que tem mutilado o protagonismo, a cidadania e a dignidade das
crianças e adolescentes brasileiros.”
Assim, questione-se sempre que ouvir a voz arcaica que responsabiliza a
vítima ao invés de culpar e conter as
ações do agressor sobre quem tem o poder nessa relação. Pergunte a si mesmo se
uma criança ou adolescente tem plenas condições de agir e reagir no intuito de
se proteger do assédio e imposição da vontades de um adulto. E, por fim busque
saber qual o posicionamento que irá tomar nesse contexto, você pode ser mais
uma voz no coro absurdo que culpabiliza quem precisa de proteção, ou ser o
grito que defende e luta contra esse mal.
*
*1- DIREITOS HUMANOS E PEDOFILIA: DA VIOLÊNCIA REAL A VIRTUAL
RICARDO BREIR
*2- (ECA – Lei numero 8.069 de 13 de
julho de 1990)
*3- Criança e
Adolescente: Direitos, Sexualidades e Reprodução
Organização de MARIA AMERICA UNGARETTI
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