Prenda sua cabrita que meu bode pasta solto.

08:32 Angela Fakir 0 Comments


Hoje gostaria de abordar um aspecto muito cruel presente na realidade da violência e exploração sexual infantil: o entendimento de que parte ou toda a culpa nesses casos é da criança ou adolescente envolvidos. Isso pode ser percebido na fala das pessoas que afirmam que a vitima de violência sexual provocou a agressão através das roupas e comportamento apresentado, como se alguma atitude da vitima pudesse isentar o agressor da culpa pelos seus atos.

Já ouvi pessoas defenderem o direito do cliente da exploração infantil receber o sexo pelo qual pagou desde que  as meninas de corpos frágeis em desenvolvimento  não sejam mais virgens, mães alegarem que suas filhas pequenas tentaram lhe roubar o parceiro, pedófilos afirmarem que não prejudicaram as crianças que usaram para obtenção  doentia de prazer por que essas consentiram e gostaram das carícias, representantes religiosos dizer em alto e bom som que um pedófilo merece mais o céu do que a criança que ele engravidou caso opte por interromper a gestação...
É como se houvesse no ideário de muitas pessoas o entendimento rançoso de que o homem tem o direito de exercer sua sexualidade com quem a provoque desejo, independente de questões  como o respeito ao desenvolvimento integro de crianças ou o consentimento feminino.  É o velho conceito contido no ditado popular que diz “ amarre suas cabritas que meu bode pasta solto”.
No entanto pensar dessa forma é negar as mulheres a igualdade de direitos e valores que possuem em relação aos homens e negar as crianças o desenvolvimento saudável de sua sexualidade e afetividade. É contribuir para a continuidade dessa modalidade de violência tão atroz quanto frequente.
E, não importa quantas pessoas pensem assim  o entendimento legal é o de que “Atos de pedofilia, sejam individual ou pela mercantilização de material pornográfico infantil, retratam violações a Direitos Humanos.” (*1) e que “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.(*2). Portanto, trata-se de um exercício de cidadania assumir uma postura combativa de enfrentamento a essa realidade.
Na obra Criança e Adolescente: Direitos, Sexualidades e Reprodução (*3), os autores apontam para o fato de que a compreensão de direitos humanos assim como vivência prática desses direitos em nossos cotidianos são uma construção histórico-social e que exatamente por sê-lo é  susceptível de mudança:
 “A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano.
Ao longo da história as mais graves violações aos direitos humanos tiveram como fundamento a dicotomia do “eu versus o outro”, em que a diversidade era captada como elemento para aniquilar direitos. Vale dizer, a diferença era visibilizada para conceber o “outro” como um ser menor em dignidade e direitos ou em situações limites, um ser esvaziado mesmo de qualquer dignidade, um ser descartável, um ser supérfluo, objeto de compra e venda (como na escravidão) ou de campos de extermínio (como no nazismo).
Nesse sentido, a violação aos direitos das crianças e adolescentes resulta da manifestação de uma relação assimétrica de poder, radicada em uma cultura adultocêntrica, que “menoriza” crianças e adolescentes, em dignidade, direitos e cidadania. O critério geracional, somado aos recortes de gênero, raça e etnia, acentua o grau de vulnerabilidade de crianças e adolescentes...
...Se os direitos humanos não são um dado, mas um construído, as violações a estes direitos também o são. Isto é, as violações, as exclusões, as discriminações, as intolerâncias e as injustiças são um construído histórico, a ser urgentemente desconstruído, sendo emergencial a adoção de medidas eficazes para romper com a herança de violações, que tem mutilado o protagonismo, a cidadania e a dignidade das
crianças e adolescentes brasileiros.
Assim, questione-se sempre que ouvir a voz arcaica que responsabiliza a vítima  ao invés de culpar e conter as ações do agressor sobre quem tem o poder nessa relação. Pergunte a si mesmo se uma criança ou adolescente tem plenas condições de agir e reagir no intuito de se proteger do assédio e imposição da vontades de um adulto. E, por fim busque saber qual o posicionamento que irá tomar nesse contexto, você pode ser mais uma voz no coro absurdo que culpabiliza quem precisa de proteção, ou ser o grito que defende e luta contra esse mal.

*
*1-  DIREITOS HUMANOS E PEDOFILIA: DA VIOLÊNCIA REAL A VIRTUAL

 RICARDO BREIR
*2- (ECA – Lei  numero 8.069 de 13 de julho de 1990)
 *3- Criança e Adolescente: Direitos, Sexualidades e Reprodução
Organização de MARIA AMERICA UNGARETTI

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